José Luís Peixoto, Quetzal Editores, 2010
Denso e rítmico, gloriosamente colorido. Ilídio, Cosme, Galopim, Adelaide, Lubélia, Aquele da Sorna e Josué são desenhados com tanta distinção e contorno que aparecem em carne viva no 'Livro'. Ode poética à emigração portuguesa polvilhada de tragédia.
'Tirava a casca aos ovos cozidos e sentia saudades da francesa, escorria o bacalhau e sentia saudades da Libânia, cortava as batatas às rodelas e sentia saudades da vila. Cozinhava bacalhau à Gomes de Sá como se cozinhasse melancolia no forno'.
'A barbearia cheirava a creme da barba, claras em castelo raspadas da cara com uma lâmina, pontos de sangue, pequenas figuras brilhantes de carne viva, o lápis de gelo para tapar as feridas, o borrifador de pó de talco, de borracha, como uma buzina muda'.
'Ao fixar o reflexo dos meus olhos no espelho, já me pareceu muitas vezes que está outra pessoa dentro deles.Observa-me, julga-me, mas não tem voz para se exprimir. Será talvez eu com outra idade, criança ou velho: inocente, magoado por me ver destruir todos os seus sonhos; ou amargo, a culpar-me pela construção lenta dos seus ressentimentos. Seria melhor se tivesse palavras para dizer-me, mas não. Só aquele olhar lhe pertence.É lá que está prisioneiro'.
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