27/07/2015

Destruição

Tiago Vieira, Latoaria  das Escadas do Monte, Maio 2015, com Guida Marques

A vida rasgada na areia. Atirada contra a parede e devolvida. Sempre que o amor me quiser, ela canta contra a parede, sem erro, à pressa. Uma ruína industrial invadida por corpos que parecem o triplo do número que são. Denegrida nos ombros agarrados à parede. Sempre a parede. Tantos objectos frenéticos. Maratona.

26/07/2015

O Sal da Terra

Wim Wenders, Juliano Salgado, 2014

Sebastião Salgado. Economista. Fotógrafo. Atravessou as nossas décadas perdido em viagem. Capturando o paraíso e inferno dos nossos mundos, mas principalmente os infernos que fazemos uns aos outros. 'Workers' e aquela foto no Brasil é talvez o meu favorito. Captura beleza que não é perceptível em vídeo, em presença. E ainda ensaia mudar parte do mundo com o Instituto Terra.

Relatos Selvagens

Damián Szifrón, 2014, com Ricardo Darín, Erica Rivas

Louco, divertido, negro, perverso, irrealmente familiar. Cenas inesquecíveis, para se contarem durante muitos anos: avião que cai nos velhinhos, veneno de ratos, road rage, carros rebocados, homicídios involuntários encobertos e um casamento épico. Ódio, violência, auto-preservação, racionalidade, raiva, amor e descontrolo: é a natureza humana. Somos animais.

1984

George Orwell, 1987, Abril 2012 Antígona, com direitos para Portugal desde 2007



Winston Smith. Na sua viagem condenada, ocasionalmente, acreditamos que a prometida semente da revolução de luz vai explodir, resolver. Mas a agonia é, simplesmente, crescente no suspense, no corpo e na mente. Neste último e eterno aviso de Orwell o totalitarismo quebra Winston, já quebrado desde o início.

p.6 O instrumento podia ser regulado, mas não havia meio de o desligar por completo

p.7 Havia que viver - e vivia-se, graças a um hábito que se fazia instinto - no pressuposto que cada som transmitido estaria a ser escutado e salvo na escuridão, cada movimento vigiado.

p.8 guerra é paz, liberdade é escravidão, ignorância é força

p. 30 Nada nos pertencia, excepto os poucos centímetros cúbicos no interior o nosso crâneo

p.38 Tal era a suprema subtileza: induzir conscientemente a inconsciência, para depois, num segundo passo, tornar-se inconsciente do acto de hipnose, acabado de levar a cabo.

p.54 Estamos destruir palavras, dezenas, centenas de palavras por dia. Estamos a reduzir a língua ao seu esqueleto. A décima primeira edição não há-de conter uma única palavra susceptível de se tornar obsoleta antes do ano 2050.

p.55 Coisa magnífica, a destruição de palavras. Claro que a grande quebra é nos verbos e nos adjectivos. E não só os sinónimos; há também os antónimos. Afinal de contas, no teu íntimo, preferias que se conservasse a velhilíngua, com toda a sua imprecisão e os seus inúteis matizes de sentido.

p. 167 Não lhe parecia, pelas recordações, que tivesse sido uma mulher excepcional, e menos ainda uma mulher inteligente; no entanto, possuíra uma certa nobreza, certa pureza, simplesmente porque a conduta por que se regia era apenas de carácter pessoal.

p.187 Winston afundou-se na poltrona e pôs os pés sobre a guarda da lareira. Era a felicidade absoluta, era a eternidade.

p. 269 Haverá sempre a embriaguez do poder, cada vez mais intensa, cada vez mais subtil. Sempre, a todo o momento, a emoção da vitória, a sensação de esmagar um inimigo indefeso. Se queres uma imagem do futuro, pensa numa bota a pisar um rosto humano.

p 327 Bernard Crick Sistemas autoritários de governação são maus mas a maior ameaça é o totalitarismo. O primeiro limita o nosso humanismo, mas o segundo destrói-o. Se o totalitarismo se tornasse a nossa vida de todos os dias, os nossos outros valores humanos, a liberdade, a fraternidade, a justiça social, o amor da literatura, o apreço pelo diálogo franco e a escrita clara, a fé na honestidade natural e na correcção natural das pessoas comuns, o amor pela natureza, o prazer de constatara diversidade dos homens, o patriotismo, que em Orwell significava simplesmente o amor à sua terra, que opunha ao nacionalismo, tudo isso desapareceria.