22/11/2015

As mil e uma noites, Volume I, II e III

Miguel Gomes, 2015
Com Crista Alfaiate, Rogério Samora, Diogo Dória, Chico Chapas, Luísa Cruz

Volume I O Inquieto
Meio sonho meio reportagem. Escape exorcizante dos quatro duros anos do resgate. Aliviamo-nos com a colmeia de vespas a arder, torçemos para que o galo não passe a cabidela, votamos nele. Bebemos chá com quem conta a sua história, procuramos salvação dentro de uma baleia ou no mar feio de Janeiro. Pobre Troika.

Volume 2 O desolado
O Manuel Palito só e sonhador, ajudado pelo homem da pastelaria, apanhado em casa, deliciado. Gosto, não sei porquê. Depois começo confuso mas sou  esclarecido na longa cena do julgamento, que tão bem retrata Portugal. Não percebo bem o cão, embora pudesse ter resultado a ideia de o casal jovem cruzar-se com si próprio daqui a 40 anos.

Volume 3 O encantado
A história dos tentilhões é absolutamente extraordinária, está bem contada e fotografada, mas este episódio não casa com a trilogia que acaba por se desfazer num castelo de cartas, resultando numa amálgama colorida e inquietante de histórias fantásticas. Preguiça ou falta de disciplina na edição, pareceu-me.

O Inverno do nosso descontentamento

John Steinbeck
Livros do Brasil
1962 -2006

Carregado de simbolismo tráfico. A corrupção e ganância geral corrompem lentamente a bondade e dignidade de Ethan. Pouco terá mudado?


p. 24 Uma manhã inteira não é uma coisa, mas muitas. Muda não só em intensidade de luz, crescente primeiro, para declinar depois, mas em textura, em humor, em tom e em matizes, deformada pelos mil pormenores de uma estação, o calor ou o frio, a calmaria ou os diversos ventos, diferindo nos cheiros, nas construções feitas pelo gelo ou pela erva, nos rebentos, nas folhas ou nos ramos secos e nus. E como o dia muda assim mudam também os seus actores: insectos, pássaros, gatos, cães, borboletas e pessoas.

O dia tranquilo e interior de Ethan Allen Hawley acabara. O homem que varria o passeio com gestos de metrónomo não era o mesmo que podia falar aos alimentos em conserva. Já não era o unimus unimorum. Amontoava as pontas de cigarros, os papéis dos bombons, as folhas das árvores e o vulgar pó, para depois empurrar tudo para a valeta, onde ficaria à espera do pessoal da limpeza e do seu camião.

p 65 Uma fortuna imaginária tem tanto valor como qualquer outra, até porque todas elas o são mais ou menos.

113 Por hábito, sempre deixei para amanhã o tomar uma decisão. Então, quando um dia disponho de tempo suficiente para estudar o problema, encontro-o já completo, resolvido.

p 114 Um dia em que, sentado junto ao leito, eu velava o doente, um monstro surgiu da minha água negra. Fui tomado do desejo de matar Dennis, de o degolar com os dentes. Os músculos das minhas mandíbulas contraíram-se e senti os lábios arrepiarem-se como os de um lobo prestes  a matar.
Quando tudo acabou, angustiado e com sentimento de culpa, confessei-me ao médico que assinou a certidão de óbito.
- Qual é a causa? Eu gostava dele.
- Uma reminiscência ancestral, talvez. Um retorno à época em que um ferido ou um doente eram um perigo para a tribo. Certos animais e a maior parte dos peixes dilaceram e devoram um irmão enfraquecido.

131 Pobre, ela é invejosa. Rica, será desprezível. O dinheiro não cura a doença. Só modifica os sintomas.

184 Possuo cinco bons fatos. Uma quantidade apreciável para um caixeiro de mercearia. Acariciava-os com os dedos. Chamava-lhes Old Blue, Sweet George Brann, Dorian Grey, Burning Black e Dobbin.

190 Nos negócios, como na política deve-se abrir caminho a golpes de machado. Uma vez triunfante, pode-se ser magnânimo e amável .., mas primeiro é preciso atingir o objectivo.

199 As comunidades, tal como os homens, têm os seus períodos de saúde e de doença, de juventude e de velhice, de esperança e de desalento.

202 Ode a Junho.

229 As pessoas que dizem não ter tempo para pensar surpreendem-me. Pela minha parte, posso pensar em duas coisas ao mesmo tempo. Pesar legumes, falar da chuva e do bom tempo com os fregueses, discutir com a Mary ou amá-la, zangar-me com as crianças. Não ter tempo de pensar deve equivaler a não ter vontade de pensar.

230 Poder e sucesso estão acima da moralidade e da crítica. O único castigo é o insucesso.

Jurassic World

2015, Colin Trevorrow
Com Chris Pratt

Um mundo de desilusão. Parece que os lindos gráficos e efeitos especiais retiram o incentivo para se ter actores com o mínimo de qualidade e uma boa história. 


Uma fraca homenagem a um dos filmes da minha infância e da minha vida. A anos luz do original, ou 200 milhões de anos para ser mais preciso. Foleirada.

Norwegian Wood

Haruki Murakami
1987, 2004 Civilização Editora

A leve e profunda dôr da adolescência de Watanabe. Parece não ter família. Condena-se à divisão entre duas paixões, condena-as a elas, cada uma à sua maneira. Solitário, viaja até ao retiro da montanha para tentar salvar Naoko. Falha no fim, mas talvez tenha alcançado algo no processo, não tenho a certeza. Guarda-se a dolorosa e tímida beleza da empatia humana, em breves, efémeros momentos.

219 Diz-me uma coisa Watanabe, alguma vez viste um inspector das finanças? (...) Claro que as receitas são baixas quando não há lucros! Apetecia-me gritar: 'vá inspeccionar as pessoas que têm dinheiro!'Achas que a atitude do inspector se alteraria se houvesse uma revolução?

220 Por todo o lado pairava aquele cheiro especial de hospital. Uma nuvem de desinfectante, fragâncias dos ramos de flores das visitas, o cheio da urina e da roupa de cama.

223/230  - Como costumas passar o Domingo?
              - A lavar a roupa. E a passar ferro. Não me importo de passar a ferro. Há uma satisfação especial em engomar as peças e torná-las macias.

232 É bom quando a comida sabe bem. É quase como uma espécie de prova de que você continua vivo.

264 Os domingos de chuva são penosos para mim. Quando chove, não posso lavar a roupa, o que implica que não poderei passar a ferro. Não posso passear e não posso deitar-me no telhado. Fico praticamente limitado a pôr um disco a tocar em modo de repetiçao e ouvir 'kind of blue' outra vez.

312 Era como se escrevesse cartas para manter unidos os alicerces da minha vida a desmoronar-se,

Lisbon Poets

2015, Luís de Camões, Cesário Verde, Mário de Sá-Carneiro, Florbela Espanca, Fernando Pessoa

A tradução  de Camões é particularmente dura, interessante e até reveladora, para quem revisita os textos. Mário de Sá-Carneiro escrevem a doce vida da morte nos seus poemas e espel
ham vidas intensas e demasiado breves. Pessoa é simplesmente o mais incrível dos incríveis.

São dois abismos a beijar-se

Tiago Vieira, 31 Agosto 2015, Latoaria

Com Guida Marques, Maria Lalande, Susana Oliveira, Rui Raposo da Silva, Vânia Rodrigues, Teresa Machado, Inês Vaz

A Latoaria dá-se a conhecer em todo o seu esplendor, em cada recanto escuro e repleto de oníricas acumulações de objectos. Pobre e agressiva Inês de Castro, morta por um misto de desejo de poder e amor destrutivo.

Teria sido um embrulho perfeito se se tivesse contido aos cruzamentos repetidos dos pedaços de Pedro e Inês de Castro.

06/11/2015

Chet Faker

Julho de 2015, Coliseu de Lisboa

O Coliseu estava repleto de telemóveis e luzes modernas, e os nossos vizinhos eram insuportáveis. Chet Faker tentou resistir: pediu uma música sem filmes nem fotos. Ela respondeu a pedir uma selfie. Um tom diferente, mais íntimo e menos 'dance' que na mítica performance no 'alive', há dois anos. Vale sempre a pena ir.
 


01/11/2015

Deixem o pimba em paz

Bruno Nogueira, Manuela Azevedo, Filipe Melo
São Luiz, Julho 2015


Privilégio arrebatador e genialmente engraçado, terno, tecido com amor. Ode ao pimba. Reconstruído com afecto e humor, como tanto merece.

 Ode às coisas boas e ricas da cultura popular portuguesa, na sua simplicidade, no seu original bom humor e crueza.


A carta

Manoel de Oliveira, 1999
Com Chiara Mastroianni, Pedro Abrunhosa, Leonor Silveira

Um premiado Manoel de Oliveira já tinha esta história na cabeça, depois de um professor de francês avançado, de Braga, lhe ter falado. Sucumbe à rectidão de Madame Lefévre, moderna, como o novo Príncipe Abrunhosa, que era ele, mas preferia outro carro que não o vermelho. Lefévre é arrebatadora, Ela é boa pessoa mas o sentimento descontrolado tudo destrói.

Tudo o que tenho para oferecer: feridas

Tiago Vieira, Maio 2015
Latoaria

Papéis de jornais, animismo, vozes individuais de dôr e angústia. A absurdidade divertida da vida sempre presente. Cadeira Bausch a trabalhar, o caixão de tijolos fiadeiro. A repetição das lavadeiras: fortíssima.

Com Anaís Thinon, Luis Ribeiro, André Delgado, Guida Marques, Maria Lalande, Rui Raposo da Silva, Cláudia Domingues, Sofia Fialho, Tânia Bessa e Vera Freire.

Homem-Formiga

Peyton Reed, 2015

Filme sobre homem que encolhe e fica com força desproporcionalmente superior ao seu tamanho. Os adolescentes enviam muitos sms quando vão ao cinema.