11/10/2015

O mapa e o território

Michel Houellebecq, 2010
Editora Objectiva


Mordaz auto-comiseração individual e de nós enquanto sociedade. Reflecte aspectos mais ilógicos e incompreensíveis dos dias de hoje. Uma pequena janela para o mundo da arte e literatura, sua beleza e incompreensibilidade, que correm em paralelo, com a vida em geral. Houllebecq, num cameo literário alargado, destrói-se deliciosamente. Que prazer.

33 Voltava tarde para casa e nem sequer tentava dormir com a babysitter, apesar de ser uma coisa que a maioria dos homens tentaria fazer; ouvia a narração do que se passara durante o dia, sorria para o filho, pagava o salário pedido. Era o chefe de uma família decomposta e não pensava em qualquer recomposição. Ganhava muito dinheiro:  administrador-geral de uma empresa de construção, especializara-se na realização de estâncias balneares 'chave na mão'.

152 Na minha vida de consumidor -  disse - , terei conhecido três produtos perfeitos: os sapatos Paraboot Marche, o conjunto portátil-impressora Canon libris e a parka Camel Legend. Amei apaixonadamente estes produtos, teria passado a vida diante deles, tornado a comprar regularmente, por força do seu desgaste natural, produtos indênticos. Tinha-se estabelecido uma relação perfeita e fiel que fizera de mim um consumidor feliz. (...) É horrivelmente brutal, enquanto as espécies animais mais insignificantes levam milhares, às vezes milhões de anos a desaparecer, os produtos manufacturados são riscados da superfície do globo em poucos dias. (...) Sofrem ditames dos responsáveis da linha de produção, que sabem naturalmente melhor que ninguém o que quer o consumidor, que pretendem captar uma expectativa de novidade ao consumidor, e que na realidade não fazem mais que transformar a vida dele numa esgotante e desesperada busca, numa errância sem fim entre linhas eternamente modificadas.

205 No meio da derrocada física generalizada a que se resume a velhice, a voz e o olhar trazem o testemunho dolorosamente irrecusável da persistência do carácter, das aspirações, dos desejos, de tudo o que constitui uma personalidade humana.

248 O essencial era permanecer activo, era manter uma actividade intelectual mínima, porque um polícia completamente inactivo desanima e torna-se portanto incapaz de reagir quando os factor importantes começam a manifestar-se.

291 A economia não estava ligada a quase nada, a não ser ao que havia de mais maquinal, de mais previsível, de mais mecânico no ser humano. Não só não era uma ciência, como não era uma arte, ao fim e ao cabo não é coisíssima nenhuma.

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